J. Bras. Nefrol. 2004;26(3 suppl. 1):26-8.

Anemia da Doença Renal Crônica

Hugo Abensur

DIRETRIZES

A presença de anemia deverá ser investigada em todo paciente com depuraçao de creatinina estimada menor que 60mL/min/1,73m2 de superfície corpórea. (A)

Justificativa:
 Anemia é uma complicaçao freqüentemente encontrada nos pacientes portadores de DRC e está relacionada com a intensidade da insuficiência renal 1,2. (Nivel I)

Pesquisar as causas da anemia em todos os pacientes com DRC. (B)

Justificativa: A anemia presente nos pacientes portadores de doença renal crônica pode ser conseqüente à diversas causas, sendo a deficiência relativa de eritropoetina o fator mais comum 3,4.

Além da deficiência de eritropoetina outras situaçoes podem contribuir para o advento de anemia em pacientes portadores de doença renal crônica, como: deficiência de ferro, deficiência de ácido fólico e vitamina B12; perdas sangüíneas, hemólise e inflamaçao. Estas situaçoes, principalmente a deficiência de ferro que é a situaçao mais comum (52%), devem ser pesquisadas antes da introduçao da terapia de reposiçao de eritropoetina5 (nível 3).

Os seguintes exames poderao fazer parte de uma investigaçao sumária de causa de anemia nesta populaçao de pacientes:

  • índices hematimétricos
  • contagem de reticulócitos
  • ferro sérico
  • saturaçao de transferrina
  • ferritina sérica
  • pesquisa de sangue oculto nas fezes

A reposiçao de ferro deverá ser feita nos pacientes com deficiência de ferro previamente à terapia com eritropoetina. (A)

Justificativa: A produçao de glóbulos vermelhos depende, entre outros fatores, de uma quantidade adequada de eritropoetina e da presença de um estoque de ferro no organismo. Portanto, nas situaçoes de deficiência de ferro a reposiçao de ferro torna-se imperiosa. Os critérios para reposiçao de ferro sao: saturaçao de transferrina < 20% e/ou ferritina sérica < 100ng/mL. O ferro pode ser reposto inicialmente por via oral, porém muitos pacientes terao que receber ferro por via endovenosa, pois o ferro por via oral pode ocasionar intolerância gástrica e nem sempre é absorvido em quantidade suficiente para repor de maneira adequada os estoques de ferro do paciente. No Brasil dispomos de uma única preparaçao de ferro endovenoso que é o Sacarato de Hidróxido de Ferro III (Noripurum,). As ampolas de 5 mL contém 100 mg de ferro elementar. Nao existe uma rotina bem definida de reposiçao de ferro EV em pacientes com doença renal crônica nao dialítica. Geralmente os pacientes recebem 1 ou 2 ampolas por semana por um período de 1 a 2 meses, sendo necessária a monitorizaçao periódica dos níveis de saturaçao de transferrina e/ou ferritina. O ferro pode ser administrado por injeçao lenta ou em infusao diluído exclusivamente em soro fisiológico. O emprego de ferro endovenoso é bem tolerado, porém é recomendado que seja feito com supervisao médica ou de enfermagem. Muitas vezes é verificada a correçao da anemia apenas com a reposiçao de ferro, prescindindo, portanto do emprego de eritropoetina6 (nível 2).

Iniciar tratamento com eritropoetina nos pacientes portadores de doença renal crônica que permanecem anêmicos somente após correçao e/ou excluir outras causas de anemia. (A)

Justificativa: Existem evidências demonstrando que o emprego de eritropoetina melhora significantemente a qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica no período pré-dialítico7,8 (nível 2).

A Epo foi inicialmente empregada em pacientes com IRC terminal em programa de diálise e demonstrouse bastante eficiente e segura nesta situaçao. Quanto ao emprego no período de tratamento conservador houve uma preocupaçao inicial, baseado em alguns trabalhos, realizados em animais de experimentaçao, que evidenciaram que a Epo poderia acelerar a progressao da IRC.

Vários estudos9-11 realizados em pacientes portadores de IRC em tratamento conservador mostraram que o emprego de Epo em pacientes com IRC pré-dialítica é eficaz na correçao da anemia e nao acelera a perda de funçao renal residual e em alguns12,13 deles observou-se inclusive desaceleraçao da progressao para IRC terminal. Porém, na maioria deles houve necessidade, em cerca de 30 a 40% dos pacientes, de introduçao ou de aumento da medicaçao hipotensora.

No momento ainda nao estao definidos os níveis de hematócrito para iniciar tratamento com eritropoetina nesta populaçao de pacientes. Como opiniao do grupo de elaboraçao destas diretrizes, sugerimos iniciar o emprego de eritropoetina quando o hematócrito for menor que 30%, valor geralmente verificado quando a depuraçao de creatinina é em torno 20 ml/min. Mais importante do que o valor numérico do hematócrito é repercussao da anemia no estado clínico geral do paciente. Da mesma forma, os níveis alvos de hematócrito e hemoglobina ainda nao estao definidos para esta populaçao, portanto recomendamos manter os níveis designados para pacientes em programa de diálise: hematócrito de 33 a 36% e hemoglobina de 11 a 12g/dL14.

A eritropoetina pode ser administrada por via endovenosa (sem diluir, 1 a 2 minutos) ou subcutânea. A via subcutânea é a via preferencial para uma maior eficiência da medicaçao1 . A dose inicial é de 80-160U/kg/sem, dividida em uma a 2 injeçoes por semana. Apenas a eritropoetina distribuída pela Jansen-Cilag (Eprex’) nao é recomendada em bula por via subcutânea, devido ao advento de alguns casos de aplasia pura de série vermelha, ocasionada por anticorpos neutralizantes anti-eritropoetina, atribuídos pelo fabricante como conseqüência do emprego subcutâneo da medicaçao. Esta dose inicial deverá ser ajustada de acordo com a variaçao dos níveis de hematócrito e hemoglobina.

Alerta: Introduzir eritropoetina apenas nos pacientes com níveis controlados de pressao arterial e manter os pacientes com a pressao arterial adequada em vigência do tratamento com eritropoetina. (A)

Justificativa: Desde os trabalhos iniciais com o emprego de eritropoetina, verificou-se que a eritropoetina piora os níveis de pressao arterial8,16 (nível 2), inclusive foi demonstrado um efeito vasoconstritor direto da medicaçao. Portanto, atençao especial deve ser dada a este aspecto, sobretudo para que nao ocorra aceleraçao da progressao da doença renal.

Alerta: A correçao da anemia com eritropoetina nos pacientes com DRC e anemia falciforme deverá ser feita com cautela, objetivando níveis de HB nao superiores a 9g/dL para evitar crises de falcizaçao17 (D).

REFERENCIAS

1. Coresh J, Wei GL, MacQuillan G,Brancati FL, Levey AS, Jones C, Klag MJ: Prevalence of high blood pressure and elevated serumcreatinine level in United states: Findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey (1988-1994). Arch Intern Med 161:1207-1216,2001(I)

2. Levin A, Thompson CR, Ethier J, Carlisle EJ, Tobe Djurdjev O: Left ventricular mass index increase in early renal disease: Impact of decline in hemoglobin. Am J Kidney Dis 34:125-134,1999(I)

3. McGonigle RJ, Wallin JD, Shadduck RK, Fisher JW: Erythropoietin deficiency na inhibition of erythropoiesis in renal insufficiency. Kidney Int 25:437-444,1984.

4. Radtke HW, Claussner A, Erbes PM, Scheuermann EH, Schoeppe W, Koch KM: Serum erythropoietin concentration in chronic renal failure: Relatioship to degree of anemia and excretory renal function. Blood 54:877-884,1979.

5. Hutchinson FN, Jones WJ. A cost-effectiveness analysis of anemia screening before erythropoietin in patients with endstage renal disease: Am J Kidney Dis 29(5):651-7,1997.

6. Silverberg DS, Blum M, Agbaria Z, Deutsch V, Irony M, Schwartz D, Baruch R, Yachnin T, Steinbruch S, Iaina A: The effect of i.v. iron alone or in combination with low-dose erythropoietin in the rapid correction of anemia of chronic renal failure in the predialysis period. Clin Nephrol. 55(3):212-9,2001.

7. Revicki DA, Brown RE, Feeny DH, Henry D, Teehan BP, Rudnick MR, Benz R. Health-related quality of life associated with recombinant human erythropoietin therapy for predialysis chronic renal disease patients. Am J Kidney Dis 25(4):548-54,1995.

8. The US Recombinant Human Erythropoietin Predialysis Study Group. Double-blind, placebo-controlled study of the therapeutic use of recombinant human erythropoietin for anemia associated with chronic renal failure in predialysis patients. Am J Kidney Dis 18(1):50-9,1991.

9. Frenken LAM e cols. Efficacy and Tolerance of Treatment with Recombinant-Human Erythropoietin in Chronic Renal Failure (Pre-Dialysis) Patients. Nephrol Dial Transplant 4:782-86,1989.

10. Austrian Multicenter Study Group. Effectiveness and Safety of Recombinant human Erythropoietin in Predialysis Patients. Nephron 61:399-403,1992.

11. Roth D e cols. Effects of r-HuEpo on renal function in chronic renal failure pre-dialysis patients. Am J Kid Dis 24:777-784,1994.

12. Schärer e cols. Treatment of renal anemia by subcutaneous erythropoietin in children with preterminal chronic renal failure. Acta Paediatr 82:953-8,1993

13. Kuriyama S e cols. Reversal of Anemia by Erythropoietin Therapy Retards the Progression of Chronic Renal Failure, Especially in Nondiabetic Patients. Nephron 77:176-185,19

14. NKF-DOQI Clinical Paractice Guidelines for The Treatment of Anemia of Chronic Renal Failure. Am J Kidney Dis 30:4(3):S194-S240,1997.

15. Besarab A, Reyes CM, Hornberger J. Meta-analysis of subcutaneous versus intravenous epoetin in maintenance treatment of anemia in hemodialysis patients. Am J Kidney Dis 40(3):439-46,2002.

16 . Canadian Erythropoietin Study Group. Effect of recombinant human erythropoietin therapy on blood pressure in hemodialysis patients. Am J Nephrol 11(1):23-6,1991.

17. van Ypersele de Strihou C. Should anaemia in subtypes of CRF patients be anaged differently? Nephrol Dial Transplant. 14Suppl2:37-45,1999

Anemia da Doença Renal Crônica

20.140

Comentários