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Tratamento da Hiperglicemia no Paciente com Diabete Melito e Doença Renal Crônica

Maria Deolinda Figueiredo Neves, João Roberto Sá, Luciene Aparecida Morais, Sergio Atala Dib

Hyperglycemia Treatment in Patients with Diabetes Mellitus and Chronic Kidney Disease

 

Resumo:

O Diabete Melito é uma das principais causas da doença renal crônica (DRC). A piora da DRC torna mais complexa a obtençao dos alvos glicêmicos nos pacientes, com aumento da variabilidade da glicemia e dos episódios de hipoglicemia. Estudos apontam para a necessidade de HbA1c inferior a 7%, com controle da glicemia de jejum e da pós-prandial, evitando-se ao máximo as hipoglicemias. Na DRC fase 3 e principalmente 4 e 5, ocorrem importantes alteraçoes na farmacocinética dos medicamentos para controle da hiperglicemia. O objetivo deste trabalho é revisar as várias classes de medicamentos orais e da insulina no tratamento da hiperglicemia do paciente diabético com DRC nestes estágios.

Descritores: Diabete Melito tipo 1; Doença Renal Crônica; Controle Glicêmico

Abstract:

Diabetes mellitus is one of the main causes of the chronic kidney disease (CKD). The worsening of the CKD makes attaining glycemic targets in patients more complex and increases the variability of glycemia and number of hypoglycemia episodes. Studies indicate the necessity of a HbA1c lower than 7%, and control of fasting and postprandial glycemia, in order to avoid hypoglycemia. In CKD phase 3 and particularly 4 and 5, important alterations occur in the pharmacokinetics of medication for control of hyperglycemia The objective of this paper is to review the use of oral anti-diabetic medication and insulin in the diabetic patient with advanced CKD.

Descriptors: Type 1 diabetes; Chronic kidney disease; Glycemic control

 

INTRODUÇAO

O envelhecimento da populaçao, a elevaçao na prevalência e na sobrevida dos pacientes com diabete melito (DM) sao algumas das causas responsáveis pelo aumento da participaçao da nefropatia diabética como uma das causas mais frequentes de doença renal crônica (DRC), apesar da grande evoluçao no arsenal terapêutico para o tratamento da hiperglicemia, como os análogos de insulina, bomba de infusao e a grande variedade de agentes anti-hiperglicêmicos com diferentes mecanismos de açao e eficácia.

Com a evoluçao da nefropatia diabética, ocorre um aumento na complexidade do tratamento, nao apenas devido à alteraçao da farmacocinética da maioria dos medicamentos, como pela maior ocorrência de outras compl i c a çoe s c rôni c a s , pr inc ipa lment e a s macroangiopatias. Nos pacientes com reduçao significante do ritmo de filtraçao glomerular, é necessária a reduçao da dose de alguns dos agentes antihiperglicemiantes, enquanto outros devem ser evitados, devido ao aumento da ocorrência de hipoglicemia.

O objetivo deste artigo é revisar as várias classes de medicaçoes orais e da insulina, no tratamento da hiperglicemia do paciente com DM e doença renal crônica (DRC), fases 3, 4 ou 5.

Homeostase da Glicemia na Doença Renal Crônica

O rim é um órgao importante na manutençao da homeostase da glicose. Juntamente com o fígado, responde a um sistema comum de controle neurohormonal, mobilizando e armazenando nutrientes no organismo no sentido de manter a normoglicemia . O rim contribui com cerca de 15% a 20% da produçao total de glicose e o fígado é o responsável pelo restante.1

A DRC geralmente cursa com resistência à insulina 2 secundária ao aumento dos níveis plasmáticos dos hormônios contrarreguladores (glucagon, cortisol, hormônio do crescimento e as catecolaminas) causados pela excreçao renal reduzida; a afinidade da insulina pelos receptores celulares está diminuída na presença de acidose metabólica e pela reduçao da captaçao de glicose pelas células musculares esqueléticas. Por outro lado, com a evoluçao da insuficiência renal, ocorre reduçao da degradaçao da insulina, aliada à reduçao do metabolismo hepático de insulina induzido por toxinas urêmicas.

Estes fatores relacionam-se com a dificuldade e a grande variaçao dos níveis glicêmicos observados nestes pacientes, principalmente nos estágios 4 e 5 da DRC. Em relaçao à hipoglicemia, sao vários os fatores de risco, resumidos na tabela 1.

Importância do Controle Glicêmico na Doença Renal Crônica

O bom controle da glicemia continua a ser prioridade quando o paciente com diabete melito desenvolve DRC, já que pode retardar principalmente o desenvolvimento e progressao das complicaçoes microvasculares, limita a hipercalemia, previne o catabolismo e minimiza as infecçoes. Este pode também ser associado a internaçoes hospitalares mais curtas, melhora da gastroparesia, da hipotensao ortostática e a maiores valores de albumina sérica. Nos pacientes com diabete em hemodiálise, a hiperglicemia pode levar a um maior ganho de peso entre as sessoes, à dificuldade no controle da hipertensao arterial, hipercalemia grave, anorexia, fraqueza e alteraçoes no nível de consciência ou a apenas sintomas vagos e inespecíficos.

Pacientes com melhores níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) no início da terapia substitutiva, indicando um melhor controle glicêmico na fase de doença renal nao dialítica, têm maior sobrevida. 3.

A manutençao de um controle glicêmico estrito é difícil de ser mantida na presença de doença renal crônica e as oscilaçoes entre hiper e hipoglicemia frequentes devem ser evitadas. Entre os fatores que contribuem para essas oscilaçoes podem ser citados: a diminuiçao no clearance da insulina, alteraçoes na secreçao de insulina por distúrbios do metabolismo do cálcio e pela uremia, o aumento na resistência à açao da insulina, estado nutricional e metabólico, modo de diálise, complicaçoes gastrointestinais como a gastroparesia, frequente nesses pacientes, comprometendo a alimentaçao e absorçao enteral de glicose4, falta da gliconeogênese por insuficiência renal e comprometimento dos fatores simpáticos contrarreguladores como comentado na seçao anterior.

Desta maneira, apesar de complexo, os objetivos para o controle glicêmico dos pacientes diabéticos com doença renal crônica devem ser rígidos e o fator limitante será a ocorrência das hipoglicemias (tabela 2), como recentemente publicado 5.

Drogas Orais no controle da Hiperglicemia do Paciente com Diabete Melito do Tipo 2 e Doença Renal Crônica

SULFONILUREIAS

As sulfonilureias (SU) sao classificadas como de primeira e segunda geraçao, de acordo com o tempo de lançamento, potência, segurança e farmacocinética. Os agentes de segunda geraçao sao mais potentes, apresentam um perfil de farmacocinética e de segurança melhor. Em nosso mercado, dispomos como agente de primeira geraçao apenas da clorpropamida e de segunda geraçao: glimepirida, glipizida, glicazida e glibenclamida. As SUs atuam através do fechamento dos canais de potássio e abertura dos canais de cálcio nas células betapancreáticas, provocando a liberaçao de insulina. Sao capazes de diminuir aproximadamente de 60 a 70mg/dL na glicemia de jejum e de 1,5% a 2,0% na HbA1c nas suas doses máximas efetivas. Nao possuem efeito significante nos lipídios, e os efeitos colaterais principais sao o ganho de peso e a hipoglicemia, principalmente com as SUs. Abordaremos neste artigo apenas os medicamentos de segunda geraçao 6.

Glibenclamida:

A Glibenclamida é uma SU de açao prolongada, com meia vida de eliminaçao entre 15-20h. A sua metabolizaçao é hepática e seus dois principais metabólitos (M1 e M2), que possuem 50% de eliminaçao renal, têm significante atividade hipoglicêmica.

Gliclazida:

A gliclazida é metabolizada pelo fígado e origina sete derivados, que nao possuem atividade hipoglicêmica, com eliminaçao por via renal. Sessenta a 70% da droga encontrada na urina estao na forma de metabólitos. Existem poucos estudos da farmacocinética desses metabólitos na presença de insuficiência renal.

Glipizida:

A glipizida é metabolizada pelo fígado em vários metabólitos, dos quais apenas um é ativo, mas fraco. Aproximadamente 60% da dose de glipizida sao excretados na urina na forma de seus metabólitos. O clearance e a meia vida da glipizida nao parecem estar afetados em pacientes com perda da funçao renal e o acúmulo dos seus metabólitos nao aumenta o risco de eventos adversos. 7,8

Glimepirida:

A glimepirida apresenta a vantagem de uma maior biodisponibilidade, sendo efetiva em doses baixas. Também possui metabolizaçao hepática, com dois principais metabólitos, um deles apresentando atividade farmacológica.

Em pacientes com clearance de creatinina > 50mL/min, a farmacocinética da glimepirida foi comparável a valores relatados em pacientes sem insuficiência renal. Com a diminuiçao do clearance de creatinina, a eliminaçao dos metabólitos é prejudicada, diminuindo a excreçao urinária e aumentando a meia vida e a concentraçao máxima dos metabólitos. 9

Em resumo, nos pacientes com insuficiência renal, considerando a farmacocinética das diferentes sulfonilureias, a gliclazida e a glipizida parecem ser as mais seguras em relaçao à ocorrência de eventos hipoglicêmicos. A glibenclamida e a glimepirida estao mais frequentemente associadas a eventos hipoglicêmicos em pacientes com doença renal, suas doses devem ser reduzidas quando utilizadas nesses casos e uma monitoraçao mais rigorosa da glicemia é necessária nesses pacientes.

GLINIDAS

Sao denominadas de secretagogos nao sulfonilureia. Deste grupo de medicamentos nós temos disponíveis para uso clínico no Brasil a repaglinida e a nateglinida.

Repaglinida:

A repaglinida é caracterizada por ter um início de açao rápido e duraçao curta. Atinge seu pico sérico de concentraçao após 30 a 60 minutos da administraçao. Encontra-se altamente ligada a proteínas plasmáticas (98%) e tem uma meia vida de 30 a 60 minutos. Sua metabolizaçao é hepática e é excretada através da bile. Apenas uma pequena fraçao (<8%) da dose administrada é excretada na urina e seus principais metabólitos nao contribuem para seu efeito hipoglicemiante 10.

Devido a essas características, é uma opçao para o tratamento da hiperglicemia em pacientes com insuficiência renal.

Nateglinida:

A nateglinida é rapidamente (<15 minutos) e quase completamente (90%) absorvida, com uma biodisponibilidade de 73%, indicando um leve efeito de primeira passagem. A concentraçao máxima no plasma ocorre após 60 minutos. E altamente ligada a proteínas plasmáticas (98%), principalmente albumina. Um de seus metabólicos tem significativa atividade farmacológica. Sua meia vida é de 1,5-1,7h. Aproximadamente 85% sao excretados na urina, apenas 16% estao na forma original, sugerindo que o metabolismo hepático exerce um papel mais importante na depuraçao da nateglinida do que a eliminaçao renal. 11.

Há descriçoes de acúmulo de seu metabólico ativo em pacientes com insuficiência renal após doses repetidas de nateglinida, associado ao desenvolvimento de hipoglicemia. 12

BIGUANIDAS: METFORMINA

Essa classe de medicaçao é representada em nosso país pela Metformina (MTF), um sensibilizador da açao da insulina, principalmente no fígado, onde inibe a gliconeogênese. Em menor grau, também melhora a sensibilidade à insulina no tecido periférico. Atua na mitocôndria, inibindo o ciclo de Krebs ou a fosforilaçao oxidativa ou ambas 13, com reduçao da glicemia de jejum de aproximadamente 60 a 70mg/dL e HbA1c de 1,5% a 2,0% .

Aproximadamente 20% a 30% dos diabéticos que utilizam metformina podem apresentar efeitos colaterais no sistema gastrointestinal, tais como náuseas, gosto metálico, desconforto abdominal e diarreia. Estes efeitos podem ser minimizados quando as doses sao tituladas lentamente e ingeridas junto das refeiçoes. 13

Um evento adverso raro que pode ocorrer com as biguanidas, mas bastante temido por sua alta taxa de mortalidade (40%-50%), é a acidose láctica, motivo pelo qual a fenformina foi retirada do mercado em 1976. A incidência de acidose láctica com a metformina é estimada em nove casos para cada 100.000 usuários por ano 14. A metformina é excretada em sua forma inalterada pelos rins, de modo que a funçao renal é um dos principais fatores para determinar o grau de segurança do uso deste medicamento. Embora a acidose láctica tenha ocorrido em casos de ingestao de quantidades tóxicas de metformina 15, a maioria dos casos de acidose láctica associada à metformina envolveu pacientes com comprometimento da funçao renal. Com o intuito de diminuir o risco de acidose láctica, se contraindica o uso de MTF em determinadas condiçoes clínicas: doença renal, insuficiência cardíaca congestiva que necessite de tratamento farmacológico, idade avançada (> 80 anos), vigência de infecçoes e em situaçoes de hipoxemia.

No entanto, devido à importância que a metformina tem pelo seu custo e eficácia no tratamento do DM2 e pela baixa prevalência de acidose láctica quando usada com segurança, a contraindicaçao ao uso de MTF tornou-se um tema bastante controverso na literatura. Uma revisao de casos de acidose láctica publicada em 1998 mostrou que, dos 47 relatos (20 fatais), 43 casos tinham pelo menos um fator de risco para acidose láctica: 64% doença cardíaca preexistente, 28% insuficiência renal, 17% idade superior a 80 anos e 6% doença pulmonar crônica com hipoxemia. Apenas quatro casos nao tinham fatores de risco para acidose láctica 16.

Posteriormente, a análise de outros 47 casos de acidose láctica relacionados à metformina mostrou que nem a concentraçao de lactato, nem a mortalidade estiveram relacionadas aos níveis de MTF 17. Uma meta- análise realizada por Salpeter e colaboradores 18 descreveu a ocorrência de acidose láctica em 9,9 eventos por 100.000 pacientes/ano entre indivíduos com DM2 nao recebendo MTF e de 8,1/100.000 entre aqueles que recebiam o medicamento.

Em resumo, os seguintes pontos devem ser considerados quando prescrevemos a metformina:

1 – droga de metabolizaçao hepática e, em sua forma íntegra, é excretada por via renal

2 – pacientes com idade > 80 anos ou com comprometimento da funçao renal apresentam uma capacidade reduzida de eliminaçao da droga

3 – insuficiência cardíaca congestiva, idade > 80 anos, insuficiência renal, exposiçao a meios de contraste, hepatopatias, alcoolismo, infecçoes e cirurgias sao situaçoes de risco para utilizaçao da metformina.

5 – prevalência de acidose láctica é baixa e semelhante em pacientes com DM2 em uso ou nao de MTF.

6 – evidências mais sólidas para orientar a prescriçao da droga ainda sao necessárias.

7- sugestao atual é de reduzir a dose máxima de MTF em aproximadamente 50% nos pacientes com clearance menor do que 50 a 60mL/min. 19.

INIBIDORES DA ALFA-GLUCOSIDASE

O mecanismo de açao desses agentes antihiperglicemiantes é através da inibiçao competitiva da α-glicosidase, uma enzima presente no epitélio intestinal e responsável pela quebra dos dissacarídeos e dos carboidratos mais complexos, para que possam ser digeridos. A inibiçao dessa enzima diminui a absorçao intestinal dos carboidratos, controlando as incursoes hiperglicêmicas pós-prandiais. A menor absorçao dos hidratos de carbono no nível intestinal provoca uma maior oferta destes no cólon, levando a efeitos adversos como flatulência, desconforto abdominal e diarreia. Esses agentes sao raramente usados em monoterapia e podem ser utilizados em associaçao com as SUs ou um sensibilizador de insulina. 20.

A acarbose, única da classe disponível em nosso meio, é pouco absorvida pelo trato gastrointestinal e extensivamente metabolizada no intestino, sendo que apenas um de seus metabólitos é ativo. Menos de 2% da acarbose ou de seus metabólitos sao encontrados na urina.6. No entanto o nível da droga e de seus metabólitos encontra-se elevado em pacientes com insuficiência renal terminal 21 e, nesses pacientes, a droga deve ser evitada, já que nao se sabe quais os efeitos tóxicos desses níveis elevados.

GLITAZONAS (TZD):

As glitazonas (pioglitazona e rosiglitazona) melhoram a sensibilidade à insulina, principalmente no músculo e no tecido adiposo. Em menor grau, diminuem a produçao de glicose hepática. As TZDs sao agonistas seletivos e potentes dos receptores nucleares PPAR-γ (peroxisome proliferator activated receptor-γ). A ativaçao desses receptores regula a transcriçao de genes responsivos à insulina e envolvidos no controle da produçao, transporte e utilizaçao da glicose. As açoes desses agentes necessitam da presença da insulina. As TZDs podem reduzir a glicemia de jejum em cerca de 35 a 40mg/dL e da HbA1c de 1% a 1,5%.

Tanto a pioglitazona como a rosiglitazona, por serem essencialmente de metabolizaçao hepática, sao drogas que podem ser utilizadas na presença de doença renal.

As TZDs estao associadas com edema e ganho de peso, sendo que este último pode se dar devido a alteraçoes na distribuiçao da gordura com um aumento do tecido celular subcutâneo e diminuiçao da gordura visceral. O edema pensa-se ser devido a uma diminuiçao na excreçao renal de sódio e aumento na retençao de sódio e água livre. Edema de membros inferiores pode ocorrer em cerca de 3% a 5% dos indivíduos que tomam TZD. A incidência é maior quando estao os TZDs associados a outros hipoglicemiantes e, principalmente, com a insulinoterapia, onde parece também haver maior ocorrência de edema agudo do pulmao. Devido ao edema, as TZDs estao contraindicadas em indivíduos com insuficiência cardíaca classe 3 ou 4 segundo a classificaçao NYHA22. O aumento no volume plasmático pode também provocar uma anemia dilucional.

ROSIGLITAZONA E PIOGLITAZONA:

A rosiglitazona tem uma meia vida de 3-4h, nenhum de seus principais metabólitos é ativo e menos de 1% da droga é excretado na urina. APioglitazona tem meia vida um pouco maior, sendo igual a 3-7 horas e tem três metabólitos ativos. Estudos com a pioglitazona 23,24 demonstraram que a insuficiência renal exerce pouco efeito na farmacocinética das TZDs e que nao há necessidade de ajuste de doses nesses casos. Estuda-se ainda se as TZDs, além do seu efeito antidiabético, teriam também efeito renoprotetor. As glitazonas têm mostrado reduçao dos níveis pressóricos em pacientes diabéticos além de reduzir a progressao de lesao renal para glomeruloesclerose através da regulaçao da proliferaçao celular glomerular, diminuiçao de PAI-1 e diminuiçao da expressao do TGF-beta 25, 26

A associaçao dessas drogas com insulina é possível, mas, devido ao aumento da ocorrência de edema agudo de pulmao, deve ser evitada e utilizada apenas na ausência de outras opçoes, já que, na populaçao diabética com doença renal crônica, supoe-se ser frequente a ocorrência de complicaçoes tanto macro como da microangiopatia cardíaca, o que facilitaria a descompensaçao cardíaca .

INCRETINAS

Tem sido demonstrado que, para um determinado aumento na concentraçao da glicose plasmática, o aumento na insulina plasmática é aproximadamente três vezes maior quando a glicemia é administrada oralmente do que endovenosamente. Este aumento na secreçao de insulina através dos alimentos, conhecido como efeito incretina, é primariamente humoral e os peptídeos GLP-1 (glucagon-like peptide-1) e GIP (glucose-dependent insulinotropic peptide) sao os hormônios incretina mais importantes27. Ambos sao hormônios insulinotrópicos potentes, liberados pelo estímulo da glicose via oral como também através das refeiçoes mistas, e até dois terços da insulina normalmente secretada em relaçao às refeiçoes sao devido às açoes desses hormônios.

As incretinas, além de seus potentes efeitos insulinotrópicos glicose dependente, possuem efeitos tróficos sobre as células beta e inibitórios sobre a motilidade gastrointestinal que, em conjunto, reduzem a glicose plasmática. Contudo, devido ao fato de o GLP-1 ser quase que imediatamente inativado pela enzima dipeptidyl peptidase IV(DPP-IV), o seu terapêutico é impraticável. Com o objetivo de sobrepujar este problema, foram desenvolvidos análogos ou miméticos do GLP-1 resistentes à açao da DPP-IV e inibidores seletivos dessa enzima.

Exenatide:

O exenatide é um mimético sintético do GLP-1 que age aumentando os níveis de insulina e diminuindo os níveis de glucagon de forma glicose dependente. É administrado por via subcutânea na dose de 5 a 10µg/dia, duas vezes ao dia.

Estudo recente analisou a tolerabilidade desse análogo de GLP-1, em doses terapêuticas, em pacientes com comprometimento da funçao renal. Os pacientes foram divididos em três subgrupos, com oito pacientes em cada um deles: doença renal crônica leve (51-80mL/min), moderada (31-50mL/min) e terminal em hemodiálise. A meia vida do exenatide aumentou de 1,5h nos pacientes sem doença renal crônica para 2,1h nos pacientes com DRC leve; para 3,2h nos pacientes com DRC moderada e para 6h nos pacientes com DRC em tratamento dialítico. Nos pacientes com doença renal leve e moderada, o exenatide foi bem tolerado; nos pacientes em tratamento dialítico, a medicaçao nao foi tolerada devido a náuseas e vômitos, nao sendo recomendada nesse grupo de pacientes. 28

Sitagliptina:

A sitagliptina é um inibidor da DPP-IV e age, portanto, aumentando os níveis endógenos do GLP-1 e GIP. A administraçao é oral e é rapidamente absorvida. A sitagliptina nao sofre metabolizaçao importante e é eliminada na urina, com 79% na forma inalterada. Oitenta e sete por cento da eliminaçao da droga ocorrem via renal e 13% sao eliminados nas fezes. A meia vida é de aproximadamente 12,4 horas.

A dose recomendada da medicaçao, como monoterapia ou em associaçao com outros antihiperglicemiantes, é de 100mg em dose única diária. Em pacientes com insuficiência renal e clearance de creatinina acima de 50mL/min, nao é necessário o ajuste da droga; em pacientes com clearance entre 30 e 50mL/min, recomenda-se diminuir a dose para 50mg/dia e abaixo de 30 mL/min, reduzir para 25mg/dia. Esses dados foram retirados de monografia sobre a droga, por falta de outras publicaçoes.

Vildagliptina

Vildagliptina, outro inibidor da DPP-IV à disposiçao em nosso mercado, apresenta pico de concentraçao plasmático em 1,75 hora após dose oral, com baixa ligaçao plasmática (9,3%). E metabolizada por hidrólise, com cerca de 85% da droga excretados na urina e 15% nas fezes. Adose recomendada para a medicaçao é de 50mg por via oral, fracionada em duas tomadas. Nao se recomenda o uso da vildagliptina em pacientes com DRC em hemodiálise. Estes dados foram retirados de monografia sobre o produto.

INSULINAS:

O perfil de absorçao das insulinas tradicionais é errático, com flutuaçoes no controle glicêmico e atrasos no início e no pico de açao da insulina, além de um menor clearance de insulina. Nesse sentido, os análogos de insulina, que se caracterizam por perfis de açao com menor risco de hipoglicemia, podem ser uma opçao no tratamento dos pacientes com insuficiência renal.

A insulina lispro é um análogo de insulina de açao ultrarrápida, que apresenta um início de açao mais rápido, maiores níveis de insulina no pico de açao e menor duraçao da açao comparada com a insulina regular humana.

A farmacocinética da insulina lispro foi estudada e comparada à insulina regular humana em pacientes diabéticos submetidos a hemodiálise. Os pacientes receberam doses comparáveis das insulinas antes da sessao de diálise e sua farmacocinética durante o período de 4 horas da hemodiálise foi analisada. A absorçao da lispro foi mais rápida: o pico da insulina lispro foi maior e as concentraçoes de insulina voltaram aos valores basais mais rapidamente com a lispro. Os níveis de glicose caíram após 20 minutos da aplicaçao de lispro, enquanto que a glicose aumentou durante os primeiros 40 minutos após aplicaçao da insulina regular humana. 29

Os pacientes nefropatas apresentam uma baixa resposta metabólica à insulina regular humana, portanto esses pacientes precisam utilizar doses maiores para atingir efeitos semelhantes aos dos nao nefropatas. Estima-se que a dose de insulina regular deva ser acrescida em 50% para conseguir o mesmo efeito metabólico, no entanto, com a elevaçao da dose, há também aumento da duraçao da insulina, o que aumenta o risco de hipoglicemia. 30

Assim, parece que, nos pacientes com doença renal avançada, os análogos de insulina de açao ultrarrápida oferecem melhor efetividade e menor risco de hipoglicemia do que as insulinas humanas de açao rápida. Com relaçao aos análogos de insulina de açao prolongada (glargina e determir), nos pacientes renais crônicos, temese o risco de uma hipoglicemia grave e duradoura. Nao há estudos disponíveis que demonstrem a farmacocinética desses análogos nos diferentes graus de insuficiência renal, mas estas insulinas parecem ser superiores à NPH, pois ocorre uma menor variabilidade glicêmica, menor pico de insulina e, portanto, maior facilidade de controle.

Nos pacientes em programa de CAPD, a necessidade de insulina pode aumentar. Esse aumento da dose diária de insulina está associado ao número de trocas hipertônicas: a cada troca extra com bolsa de glicose hipertônica a 2,5%, a necessidade de insulina aumenta em 7,5 unidades /dia. 31 Pode ser utilizado insulina ultrarrápida nos banhos de diálise peritoneal, mas, em geral, nao é prescrita devido a maior possibilidade de infecçao, o que, entretanto, carece de bons estudos para a sua comprovaçao.

Para os pacientes em hemodiálise, frequentemente, prescrevemos esquemas distintos para os dias com e sem procedimento dialítico. Na tabela 3, apresentamos um resumo dos medicamentos orais e insulinas no tratamento dos pacientes com DRC e Diabete Melito.

Monitoraçao do controle glicêmico na Insuficiência Renal Crônica Terminal

Quanto ao melhor método de monitorar o controle glicêmico desses pacientes, também existem limitaçoes. Alguns fatores na insuficiência renal crônica (IRC) podem interferir nos níveis da HbA1c, tornando essa medida um valor nao confiável. A uremia, por exemplo, interfere nos ensaios que sao dependentes de carga elétrica, elevando falsamente os valores da HbA1c, portanto, nesses casos deve-se preferir os imunoensaios e cromatográficos. Além disso, pacientes com IRC podem ter os níveis falsamente baixos de HbA1c pela reduçao da meia vida dos glóbulos vermelhos (pacientes em hemodiálise têm a meia vida das células vermelhas diminuída em cerca de 50%). Aanemia e a hemodiluiçao causada pelas frequentes transfusoes também podem contribuir com valores mais baixos de HbA1c, o que pode ser menos relevante quando o paciente é tratado com eritropoetina. 32,33

Resumo:

1 – A metformina, respeitando as suas contraindicaçoes, e nas fases iniciais da nefropatia, pode ser utilizada.

2 – As glitazonas, em pacientes sem insuficiência cárdica, podem ser usadas.

3 – Entre os secretagogos, devemos preferir os de metabolizaçao hepática, com metabólitos de baixa açao hipoglicêmica e curta duraçao.

4 – Na doença renal crônica, com clearance < de 60mL/min, a terapia com insulina é preferida. O esquema basal/bolus deve ser instituído.

Para o basal, as insulinas de açao intermediária ou longa podem ser utilizadas. No controle dos picos glicêmicos pós-prandiais ou pósdiálise, os análogos de açao ultrarrápida devem ter preferência.

6 – Devemos ter como objetivo o melhor controle glicêmico possível, com o mínimo de ocorrência de hipoglicemias.

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Disciplina de Endocrinologia e Nefrologia da UNIFESP/EPM.

Tratamento da Hiperglicemia no Paciente com Diabete Melito e Doença Renal Crônica

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